Afleveringen

  • Quatro religiosas brasileiras coordenam na capital colombiana uma casa de acolhimento a migrantes que durante vinte anos tem abrigado deslocados pelo conflito interno. Nos últimos meses, o lugar se converteu em um oásis para os venezuelanos que fogem da crise em seu país.

    Quando estava com quatro anos de idade, Teresinha Monteiro colocou suas roupas numa fronha, jogou ela nas costas e fugiu de casa. O plano da menina era deixar Santa Catarina e fugir para a África como missionária. Só que ela teria que aguardar uns anos para poder realizar aquele sonho.
    Não foi na África, mas na Colômbia que a irmã Teresinha e mais quatro freiras brasileiras têm se convertido nos anjos da guarda de milhares de pessoas. As religiosas coordenam um centro de acolhimento aos migrantes em Bogotá que tem atendido os deslocados internos por vinte anos, mas que nos últimos meses se converteu em um oásis para os venezuelanos que fogem da crise em seu país.
    Segundo Teresinha, "nós nunca tivemos tanta gente na casa como estamos tendo agora. Tivemos até máximo 30 pessoas, agora estamos com 45 pessoas". A familia de Leonardo Márquez é uma das beneficiadas pelo albergue. Com 46 anos de idade, Leonardo decidiu abandonar Monagas no nordeste da Venezuela, e uma carreira de 17 anos como especialista em segurança do trabalho na indústria petrolífera. Veio para a Colômbia semana passada para começar do zero, com a mulher e os filhos de 11 e 4 anos.
    Segundo Márquez, “não cansarei de dar graças a Deus por tudo o que tem acontecido com a gente, desde que chegamos aqui. É uma maravilha, o albergue, embora não tenha o apoio institucional do governo e dependa só de doações, é uma maravilha”.
    Resiliência na pele
    A irmã Eunivia Da Silva, nascida em Minas Gerais, é outra das quatro missionárias dedicadas ao trabalho com os migrantes. Ela está encarregada do Centro de Capacitação da Fundação, no sul da cidade. Eunivia também sentiu o chamado para servir aos outros desde muito nova. Aos 16 anos ela se uniu à congregação e desde então não tem parado de trabalhar com deslocados na Colômbia, no Equador e na Itália.
    No Centro de Capacitação que ela coordena é oferecida uma capacitação técnica em ofícios como padaria, confeição, contabilidade ou estética, mas sobretudo, é oferecido um espaço para partilhar experiências, identificar-se com o outro e se ajudar mutuamente na integração à comunidade. Para a irmã Eunivia, apesar das dificuldades, o mais inspirador em seu trabalho é ver a resiliência de quem tem encarado grandes desafios na vida.
    "Como deslocados, eles transmitem para a gente uma força interior maior da que eu estou tendo. As vezes eu estou diante deles ouvindo o sofrimento e estou me sentido debilitada nas minhas forças. Ai eles transmitem mais esperanza, mais força, e estão com esa força de otimismo, de confianza que todo vai melhorar, que ese momento ruim vai passar”, diz Eunivia.
    Outras duas brasileiras completam o grupo, as irmãs Égide Benedetto e Conceição da Silva, que apoiam o trabalho no albergue, mas também na rodoviária, onde a fundação tem um espaço para receber as pessoas que chegam de outras cidades sem ter um lugar onde ficar. As quatro compartilham a experiência de ajudar os migrantes, sendo elas mesmas migrantes, como diz o lema da sua ordem religiosa.
    Enquanto isso, irmã Teresinha, depois de 38 anos de serviço como missionária, mantém intacto o espírito aventureiro que tinha quando criança e corria pelas ruas de Tubarão com uma fronha nas costas procurando chegar à África. “Minha África agora é aqui na Colômbia, mas se um dia a madre falar ‘venha para a Africa’, eu vou”.

  • A maconha uruguaia legalizada e de alta qualidade só pode ser vendida ou cultivada por cidadãos radicados no Uruguai. Está vetada aos turistas justamente para evitar o chamado "turismo canábico". Mas como os brasileiros fumam se os estrangeiros não podem comprar? O segredo não é vender, mas compartilhar.
    Márcio Resende, correspondente da RFI na Argentina
    "Turistas não podem comprar, mas podem fumar", sintetiza o gaúcho Henrique Reichert, de 30 anos, radicado há três anos no Uruguai. Ele criou opções para os brasileiros que quiserem provar legalmente a maconha. Montou um tour temático onde se compartilha maconha com os turistas.
    "Fazemos tudo dentro da lei e sem risco para quem quiser experimentar sem precisar recorrer ao tráfico sob risco de ser assaltado", garante. "Durante todos os roteiros, eu fumo. É justo que as pessoas que estiverem comigo, fumem comigo. Baseado é justamente feito para isso: para compartilhar experiências", conta. "O mais legal é que, nos lugares que a gente frequenta aqui, o pessoal gosta de brasileiros. São cultivadores que querem que você prove a maconha deles, que eles cultivaram com orgulho. Querem um parecer e acabam oferecendo. Isso surge ao naturalmente", acrescenta.
    O roteiro visita os lugares emblemáticos relacionados com a inédita lei no mundo, aprovada em dezembro de 2013, através da qual o Estado controla desde a produção até a comercialização, passando pela distribuição da maconha recreativa. "Fiz um roteiro para os turistas conhecerem lugares emblemáticos da lei. Passamos pelo Palácio Legislativo, pelo órgão que regula a atividade, mas também por uma grow shop e vemos todos os processos da planta, dos nutrientes aos produtos finais junto a cultivadores", descreve. "Acabamos num jantar harmonizado, mas sem psicoativo porque as pessoas já chegam chapadas do dia", brinca.
    "A primeira coisa que os turistas brasileiros perguntam é onde comprar. Isso é bem complicado. Sabemos que quem tem boca vai chegar a uma boca [de fumo], mas isso foge do ensejo da legalização", diferencia Henrique.
    "Eu, a maconha e uma câmera"
    Henrique Reichert se dedica às atividades relacionadas com a maconha. Criou o projeto "Eu, a maconha e uma câmera" e se tornou a referência na internet sobre o assunto para os brasileiros. Tem cerca de dois milhões de visitas mensais no conjunto das redes sociais. "Eu fumo 24 horas por dia", brinca. "Hoje eu vivo financeiramente da maconha", reitera. 
    Henrique transformou o seu próprio apartamento num Airbnb canábico. "Tenho dois quartos que alugo nessa modalidade. Em cada um, tenho plantas. No meu apartamento, tenho o meu próprio cultivo em andamento. Ofereço do meu baseado porque isso não é proibido. Fumamos juntos. As pessoas têm acesso livre ao cultivo", explica. De quebra, o visitante ainda recebe aulas sobre as espécies e sobre como cultivar. "Dou algumas dicas. Ensino a galera a plantar, explico as espécies e como funciona a lei uruguaia", conta.
    Clube de brasileiros
    Como a legalização da maconha gerou um "boom" de brasileiros interessados em morar no Uruguai, Henrique já está perto de abrir o primeiro clube canábico só para brasileiros. "Será um clube para brasileiros radicados no Uruguai. Pessoas que também estavam cansadas da política de repressão à maconha de lá. Um clube restrito a brasileiros. Já estamos com meio caminho andado, funcionando quase", indica.
    Para quem tem documento uruguaio, existem três formas de acesso à maconha: ou cultivo individual próprio (até seis plantas) ou os clubes canábicos (até 45 sócios e 99 plantas) ou, a terceira modalidade inaugurada em julho passado, a venda nas farmácias (máximo de 40 gramas mensais).
    Em setembro de 2014, Henrique Reichert trancou a faculdade de pedagogia em Novo Hamburgo (RS), fechou a sua produtora cultural e deixou a família para viver a legalização da maconha. "Vim de férias ao Uruguai por uma semana com um amigo. Também vim com a ideia de sondar para talvez morar aqui. Já era um entusiasta da maconha no Brasil", conta. "Quando voltei ao Brasil, só deu tempo mesmo de vender o meu carro, os meus móveis. Em 20 dias, eu já estava aqui de volta definitivamente", relembra.
    Contra a maconha
    O entusiasmo de Henrique pela maconha, no entanto, é relativamente recente: tem apenas cinco anos. "Fui contra a maconha durante 25 anos da minha vida. Os argumentos que eu usava são os mesmos contra os quais eu hoje luto: que mata, que faz perder a família, que faz vender as coisas para comprar drogas, que é a porta de entrada para outras drogas", recorda. "Inclusive terminei com uma namorada porque ela fumava e eu não gostava. Incomodava-me muito mesmo", admite.
    Com o tempo, os relatos ao redor, a curiosidade e o estudo do tema o levaram a uma transformação radical. Mas e a ex- namorada? "Se a minha ex-namorada me vir, vai pensar 'que babaca'. Eu realmente me senti um idiota. Terminei com ela porque eu aceitei uma mentira a vida inteira", lamenta.
     

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  • Com modelo inédito, a Bienalsur torna-se a maior do mundo em quantidade de artistas, de países e de cidades. Artistas brasileiros participam do novo paradigma de integração regional através da arte.
    Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
    O evento começou por Montevidéu (23), estreou em Buenos Aires nesta sexta-feira (1) e será inaugurado em São Paulo na próxima segunda-feira (4). E assim, ao somar novas cidades, a Bienalsur rompe os paradigmas tradicionais da arte, das fronteiras e da integração.
    "Num momento em que cresce a intolerância e os muros no mundo, achamos necessário fazer algo totalmente livre. Um novo conceito de arte e de cultura como um veículo de integração regional e de aproximação entre os povos", explicou à RFI Aníbal Jozami, diretor da Bienalsur e reitor da Universidade argentina Tres de Febrero, criadora da bienal.
    36 cidades e 16 países
    A primeira Bienal Internacional de Arte Contemporânea da América do Sul tem o nome de Bienalsur, um jogo de palavras, em espanhol, com Bem ao Sul. Ela acontece simultaneamente em 36 cidades, de 16 países nos cinco continentes.
    Buenos Aires é o epicentro de uma experiência inédita para 429 artistas que expõem em 84 locais como centros culturais, fundações, museus e universidades pelo mundo. O Brasil terá como sedes o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e até Sorocaba. A Bienalsur passa ainda por Paris e Marselha, e chega até Tóquio.
    Os artistas brasileiros expõem principalmente na Argentina, mas também no Peru e em Porto Rico. As cidades brasileiras recebem principalmente artistas argentinos, mas também de França, Espanha e Madagascar.
    A Bienal é organizada pela universidade pública argentina Tres de Febrero, que decidiu ampliar o acesso do público a uma experiência artística. Para isso, criou duas ferramentas de "Realidade Aumentada" nos celulares."A importância da interconexão não é um mero jogo tecnológico, mas uma forma de levar a arte a muita gente. É uma ideia totalmente internacionalista e democrática da arte e da cultura", define Jozami.

    Pokémon Go das artes
    Quem estiver numa das cidades da Bienal vai poder baixar gratuitamente o aplicativo "Willitu". Através desse jogo, uma espécie de "Pokémon Go" das artes, o usuário vai poder descobrir obras escondidas na sua cidade.
    À medida que reunir virtualmente as obras de arte, o usuário pode passar a ser um colecionador. Quando chegar ao nível de curador, poderá criar a sua própria exposição numa Bienal particular. Pode chegar até ao nível de artista.
    "Se você estiver em São Paulo, poderá andar pela Avenida Ibirapuera e encontrar uma obra de arte de um dos artistas participantes. Você pode estar em Madureira, no Rio de Janeiro, e se surpreender ao encontrar, numa esquina, uma outra obra de arte escondida. A mesma coisa em Sorocaba ou em Porto Alegre", ensina a brasileira Marlise Ilhesca, da Universidade Tres de Febrero e responsável pela logística das obras. "O objetivo desse jogo é, sobretudo, despertar nos mais jovens o desejo de conhecer a arte contemporânea", indica.
    Para quem não está necessariamente em uma das sedes da Bienal, existe o aplicativo "BienApp" que permite conhecer, em três dimensões, as obras de arte que estão participando da Bienalsur. Serão disponibilizadas cerca de 100 obras que estão em Buenos Aires, assinadas por 70 artistas, como os brasileiros  Eduardo Srur, Regina Silveira, Shirley Paes Leme, Ivan Grilo, Vik Muniz ou Cildo Meireles, entre outros.
    "O que queremos com esse sistema é criar um museu vivo e permanente que chegue sobretudo às escolas, que geralmente tem pouco acesso a publicações de arte. Através dessa ferramenta isso é possível", aponta Marlise Ilhesca.


    Exposição em regiões de fronteiras
    Durante uma semana, na zona de disputa entre o Chile e o Peru (Arica e Tacna), 14 artistas criaram obras que serão expostas agora nos dois países. Na região de fronteira entre Colômbia e Venezuela (Cúcuta e Tachira), artistas também vão expor obras num momento em que os venezuelanos atravessam a ponte em massa rumo à Colômbia.
    O fotógrafo iraniano Reza Deghati passou três meses com uma oficina de fotografia para jovens de favelas de Buenos Aires. As fotos que os jovens produziram serão agora expostas. O japonês Katsuhiko Hibino vai expor artesanatos produzidos por jovens com autismo e síndrome de down.
    "Acho que é um grande mérito mostrar que, desde o Sul, nós podemos mudar a ordem estabelecida. Não precisamos ser passivos diante da História. E estamos realizando isso através dessa Bienal", conclui Marlise Ilhesca.
    A BienalSur começa pelo Memorial da América Latina em São Paulo na segunda-feira, continua pelo Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba no dia 5 e, em 4 de outubro, chega à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. No Rio de Janeiro, o evento, organizado tanto na Fundação Getúlio Vargas quanto na Estação Central do Brasil, começa no dia 12 de outubro. As exposições vão até dezembro. As obras da realidade aumentada permanecerão.

  • A legalização da maconha no Uruguai tem mudado a vida de alguns brasileiros. Em geral, são pessoas que resolveram empreender no ramo ou que buscam tratamento médico dos derivados da planta. Brasileiros que vivem no país e turistas também sentem as mudanças na política de drogas do país vizinho.

    Vanessa da Rocha, de Montevidéu, para a RFI Brasil
    O governo uruguaio regulamentou o consumo, a produção e a distribuição da maconha em 2013, quando os uruguaios receberam permissão para cultivar a planta em casa ou em clubes canábicos.
    Quatro anos depois, em julho deste ano, a última fase do processo de liberação entrou em vigor com a venda do produto nas farmácias. Até então, 11.900 uruguaios se cadastraram para comprar os pacotes da erva produzida sob a tutela do governo com limite de consumo de 40 gramas por mês. O papel para preparar o cigarro e outros acessórios são vendidos em diversas lojas que se multiplicaram pelo país, depois da legalização.
    Bem antes da aprovação, empreendedores brasileiros já estavam atentos ao potencial da maconha nos negócios. No caso do paulista, Alexandre Perroud, de 48 anos, os empreendimentos no ramo canábico começaram em 1994.
    O fundador da loja Ultra 420 observa que a legalização  no Uruguai gerou interesse em novos empreendedores do Brasil, “esse foi o legado do Uruguai, pessoas se sentindo seguras para entrar nesse mercado. As pessoas começaram a querer abrir headshops, growshops… e isso aí vem crescendo muito, muito, muito. Nunca ouve no mundo e no Brasil um momento tão propício para os negócios canábicos”.
    Segundo o último relatório da ONU, 180 milhões de pessoas consumiram maconha no ano de 2015. Uma estimativa da empresa americana New Frontier, especializada em pesquisas no tema, indica que a maconha movimenta mais de 5 bilhões de dólares nos países onde o produto é legalizado.
    O gaúcho Henrique Reichert, de 30 anos, se mudou para o Uruguai em 2014 e teve a vida modificada por causa do interesse do mercado no ramo. No ano passado, ele decidiu criar um canal no You Tube chamado "Eu, a maconha e uma Camera”.
    A ideia não era comercial, era apenas recreativa, mas meses depois já tinha patrocínio de empresas, “decidi fazer o canal e falar sobre a lei de maconha do Uruguai principalmente para brasileiros. E gerou muita mídia, muita divulgação no Brasil. Fez com que marcas entrassem em contato, pessoas interessadas em investir e a  fazer coisas no Uruguai relacionadas a isso e desde dezembro eu me dedico exclusivamente ao projeto”.


    Uso medicinal
    Já os brasileiros que dependem da maconha para o uso medicinal estão fora dessa agitada rota comercial. Quando ocorreu a legalização no Uruguai, as famílias que precisam do medicamento no Brasil criaram expectativa de agilidade na liberação do Canabidiol, o derivado da planta com propriedades médicas, mas isso não ocorreu.
    Para o paulista João Paulo Costa, de 33 anos, que usa a maconha para o tratamento da epilepsia, não há dúvidas da eficiência do produto no tratamento. “Eu dormia num quarto blindado de som e de luz, dormia com fone no ouvido também porque ninguém podia me acordar que eu convulsionava. Hoje consumindo cannabis eu consigo ter uma vida normal”.
    Logo que a droga foi liberada no país vizinho, muito se debateu se o Brasil seguiria o exemplo. A questão naturalmente envolve uma discussão maior dada as caracteristicas de cada um dos dois países, mas de qualquer forma, tem sido observada com atenção no mundo todo.
    Denise Tamer, de 31 anos, é gaúcha e mora em Montevidéo há um ano e meio. Ela avalia que a iniciativa uruguaia pode alimentar reflexões aos brasileiros. “A segurança aqui funciona”. Para ela, alguns pontos podem servir de inspiração, “o Uruguai é um país muito evoluído na questão do respeito das diferenças das pessoas, então eu acredito que o Brasil tem muito a aprender em relação a isso, respeitar o outro”, conclui.

  • Um pedido de desculpas com a esperança de novas visitas em breve. É assim que os vendedores de Bariloche estão recebendo cada turista que bate à porta. O mercado local teme a queda do turismo depois da nevasca que deixou estrangeiros ilhados e frustrados com a viagem.

    Luciana Marques, correspondente da RFI em Brasília
    Muitos atendentes ouviram de turistas que nunca mais voltariam ao local ou indicariam o passeio. Também descontentes, os vendedores dizem que a economia, que estava se recuperando, deve sofrer um impacto negativo num dos destinos mais procurados da Argentina.
    Para evitar uma imagem negativa da cidade, os vendedores fazem um esforço para atender ainda melhor os turistas brasileiros que restaram. “Sinto muito, a economia estava se recuperando e era importante que os turistas tivessem felizes. Muitos estão desapontados dizendo que não voltar”, desabafou uma vendedora. Quem ouviu o relato foi a advogada de Brasília, Roberta Martins. Ela viajou para Bariloche com o marido e as duas filhas – uma de 10 e outra de 5 anos. O retorno estava previsto para terça-feira, mas eles só conseguiram embarcar na quinta.
    Roberta diz que no aeroporto vários turistas estavam acampados, dormindo em cadeiras ou em cima das malas, porque não tinham como pagar hotel. Na quinta-feira a situação melhorou – alguns voos atrasados, mas sem cancelamentos. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil chegou a analisar a instalação de um núcleo de apoio do Consulado Honorário no Aeroporto de Bariloche. Mas autoridades locais alegaram falta de segurança e o governo desistiu da ideia.
    Sobre os brasileiros que iriam para Bariloche e ficaram presos no aeroporto de Buenos Aires, o Itamaraty informou à RFI Brasil que o Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires prestou assistência “ao que pareceria ser o último grupo de brasileiros remanescentes da crise que teve início no fim de semana com o fechamento do aeroporto de Bariloche devido a condições climáticas”. No total, 12 pessoas tiveram as passagens reprogramadas para voo da Latam, que deverá partir de Buenos Aires com destino a São Paulo.
    Mercado local desabastecido e sem energia
    Em Bariloche, segundo Roberta, os restaurantes estão desabastecidos, com dificuldades de receber os produtos. Sem condições de atender os clientes ou mesmo pela falta de energia, alguns estabelecimentos fecharam as portas. “Encontramos um restaurante aberto, mas completamente desabastecido. Fizemos vários pedidos que não puderam ser atendidos porque os fornecedores não conseguiam entregar”, relatou.
    Logo na entrada, em um restaurante conhecido da cidade, a atendente já avisava que não teria todos os vinhos disponíveis - nem refrigerante. Turistas esperavam uma hora para conseguir almoçar – isso já depois das 15h, horário em que os estabelecimentos costumam fechar no município. Além da falta de água, vários pontos da cidade ficaram sem energia e, portanto, sem calefação em noites que chegaram a 25 graus abaixo de zero.
    Outro problema foi o trânsito: os carros - especialmente os alugados - não tinham condições de transitar com tanta neve porque os pneus não eram adequados. Mas a generosidade dos argentinos chamou a atenção. “As pessoas saiam dos seus carros para nos empurrar, dar dicas ao meu marido sobre como dirigir na neve. A solidariedade nos impressionou”, disse Roberta.
    Por outro lado, faltou gestão pública para lidar com os problemas gerados pela nevasca. “A cidade é linda, o passeio vale a pena. Voltaria outra vez, mas acho que falta preparo nas empresas aéreas, no aeroporto e na própria gestão municipal para lidar com situações de neve intensa. Ainda que tenha sido uma nevasca histórica, neve é o grande atrativo da cidade e não pode parar tudo”, concluiu a advogada.

  • Em modalidade inédita, ótica brasileira interpreta em pinturas os versos das canções da legendária obra dos Beatles que completa 50 anos.
    A banda de rock é britânica, o local da exposição é argentino, mas a arte é brasileira. A ideia nasceu de uma família de beatlemaníacos brasileiros: Leonardo Pires (51), o pai; John Andrade (26), o filho. John veio estudar medicina em Buenos Aires, formou-se médico e, além de atender os seus pacientes, virou curador da exposição. Sim, John em homenagem a John Lennon.
    "Nós sentamos, eu e o meu pai, e decidimos: vamos fazer essa música. Qual parte dessa música pode virar um quadro legal? Nós escolhemos o verso da canção que seria traduzido para imagem do quadro", explica à RFI Brasil.
    Quatro artistas brasileiros de projeção internacional aceitaram o desafio. Marco Costerus, Fabiano Rocha, Oliver e Wanderson Petrova pintaram 15 quadros a partir dos versos das canções do legendário álbum Sgt. Peppers que, em maio, completou 50 anos.
    Na exposição Beatle Quiz, o visitante tenta descobrir à qual canção do Sgt. Pepper's se refere aquele quadro, impressionista ou realista. Na saída, estão as respostas que revelam quem é um profundo conhecedor das canções.
    Assim, ganharam ilustração em óleo Carve your number on my wall (If I Needed Someone), Picture yourself in a boat on a river with tangerines trees (Lucy In The Sky With Diamonds) ou Lying on the bed, listen to the music playing in your head (Lady Madonna).
    The Carvern Club Buenos Aires
    O local da exposição é o The Cavern Club Buenos Aires, um complexo temático que recria o famoso The Cavern de Liverpool, além de três salas, bar e o único museu Beatle no mundo, fora da cidade que viu nascer o quarteto fantástico.
    "Conheci este centro, um complexo Beatles com esse espaço perfeito para poder expor uma relação direta com os Beatles. O nosso objetivo é abrir as portas aqui na Argentina e levar a obra para o Brasil depois", conta John.
    Quem abriu as portas para a exposição dos brasileiros foi Rodolfo Vázquez, dono do The Carvern Club e recordista do Guiness (2001 e 2011) como maior colecionador de memorabilia dos Beatles no mundo.
    "A ideia de descobrir a qual canção pertence cada obra pareceu-me muito original para um fã dos Beatles", indica à RFI Brasil.
    Pelo museu Beatles, passam anualmente cerca de 30 mil pessoas, mais do que recebe a maioria dos museus históricos argentinos. E entre os beatlemaníacos estrangeiros ou os beatleiros, como Rodolfo prefere chamar, os brasileiros são maioria.
    "Os brasileiros já incorporaram o museu dentro do itinerário turístico de Buenos Aires. Muitos vêm e me trazem presentes. Discos, álbuns de figurinhas completos, coisas dos Beatles que nem eu sabia que existiam", conta Rodolfo. "Os brasileiros são muito beatleiros, define entre gargalhadas.
    Tradução brasileira da obra dos Beatles
    Anualmente, no The Cavern Club Buenos Aires, apresentam-se grupos covers do Beatles de toda a América Latina. O grupo ganhador do concurso vai tocar depois em Liverpool. Ao contrário dos argentinos, mais apegados ao modelo tradicional dos Beatles, os músicos brasileiros apresentam arranjos diferentes das canções.
    "O argentino é muito mais fanático dos clones dos Beatles. Já o brasileiro tem musicalmente outra ideia. Misturam um pouco de jazz com blues e com a música popular brasileira. Fazem com que a versão fique totalmente diferente das versões argentinas", compara Rodolfo.
    O mesmo vale para os quadros da exposição. "Há um traço nas formas, nas cores, na imagem em geral. Há algo carioca nos quadros", considera.
    Um dos maiores exemplos da ótica brasileira sobre os Beatles é o disco de 2001, Aqui, Ali, em Qualquer Lugar, de Rita Lee, conhecido aqui como Bossa'n Beatles. O disco foi um sucesso na Argentina. Uma prova de que a combinação Brasil com Beatles agrada os argentinos.
    "Esse é justamente o nosso próximo projeto", antecipa John Andrade. "Queremos fazer, no Brasil, uma homenagem casada: relacionar as músicas dos Beatles com artistas brasileiros que fizeram uma versão. Quadros baseados nos versos dos músicos brasileiros que interpretaram os Beatles, homenageando os dois", revela.
    E seriam muitos os homenageados. Da base da Jovem Guarda de Roberto Carlos e Ronnie Von ao Tropicalismo de Caetano e Gil; do Rock de Lulu Santos ao Rock-Bossa Nova de Rita Lee, passando por Milton Nascimento ou por qualquer outro músico. Afinal, como tornar-se músico sem atravessar a Abbey Road que todos carregamos dentro?

  • A decisão dos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, anunciada na última segunda-feira (19), visa mostrar o desacordo das autoridades brasileiras com a repressão às manifestações no país.

    Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela
    A venda do gás lacrimogêneo estava sendo negociada pela empresa Condor, com sede no Rio de Janeiro, que informou ainda não ter recebido ordens para cancelar a exportação. Nestes 84 dias ininterruptos de protestos na Venezuela, o uso de gás lacrimogêneo tem sido usado pelas forças de segurança do Estado nas manifestações da oposição contra o governo de Nicolás Maduro.
    O estoque em baixa levou o país a comprar da empresa brasileira Condor 70 mil artefatos. Para o deputado Williams Dávila, o dinheiro investido nas bombas de gás poderia ter sido usado de outra maneira.
    "Esta empresa vendeu ao regime de Maduro 70 mil bombas de gás lacrimogêneo. Se multiplicarmos 40 ou 50 dólares por unidade, estamos falando de uma grande quantidade de milhões de dólares que poderiam ter sido investidos na compra de remédios ou comida", declarou.
    Dávila disse vai denunciar a Condor Equipamentos Não Letais ao Parlamento do Mercosul, o Parlasul. A situação evidencia a tensão entre os governos de Michel Temer e o de Nicolás Maduro. A última negociação de gás lacrimogêneo entre Brasil e Venezuela aconteceu em 2011.
    Repressão
    Defensores de Direitos Humanos denunciam que as forças de segurança do Estado disparam bombas de gás lacrimogêneo para ferir gravemente os manifestantes. Algumas bombas lançadas estão fora da data de validade, o que poderia causar maiores danos colaterais ainda maiores à saúde dos manifestantes, em um país onde faltam remédios.
    Segundo a Procuradora Geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, o estudante Juan Pernalete morreu após ser atingido na altura do coração por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada a poucos metros de distância. O uso do artefato também já causou mortes por asfixia.
    Armas letais
    A Condor Equipamentos Não Letais enviou um comunicado à reportagem da RFI Brasil informando que “a suspensão de fornecimento de equipamentos não letais como gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha poderá ter consequências dramáticas, posto que não restará alternativa às forças de segurança locais a não ser o uso de armas letais”.
    Nesta semana, três funcionários da Guarda Nacional Bolivariana foram presos acusados de matar com arma de fogo o jovem Fabián Urbina, de 17 anos. A Venezuela depende em 70% das importações, já que o país pouco investiu na produção nacional. O mesmo vale para a indústria de armamentos. No interior do país está a Cavim, a Companhia Venezuelana de Indústrias Militares, local onde são armazenadas munições e produzidas algumas armas de fogo.
    Recentemente o ministro da Defesa, o general Padrinho López, foi à Rússia participar de uma feira militar. Não há informação sobre a compra recente de armamentos russos, porém acabam de chegar à Venezuela carros de combate comprados na China.

  • Quituteira de mão cheia, a baiana Teresa Trozzy, de 74 anos, insiste em continuar na Venezuela. Ela reconhece que a situação no país mudou muito desde que ela chegou para morar aqui quatro décadas atrás com toda a família. Há mais de dois meses a oposição se mantém nas ruas contra o governo de Nicolás Maduro. Este é apenas um dos pontos das diversas crises que o país enfrenta.

    Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas
    A escassez deu um nocaute na produção da cozinheira brasileira mais famosa da Venezuela. Ela agora luta com a inflação, que, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, deve fechar o ano em torno de 1600%. O salário mínimo de 60 mil bolívares não é suficiente. “Feijão não se consegue ou então está caríssimo. A caixa de ovos está em 16 mil bolívares. Açúcar custa oito mil bolívares. Nos ofereceram “harina pan” (farinha de milho branco) por dez mil bolívares. Com o salário não dá. Tem que melhorar. Deus tem que olhar para a Venezuela”, afirma Teresa Trozzy.
    O presidente, pressionado pela baixa popularidade, convocou uma eleição para escolher os redatores da nova Constituição, decisão rejeitada até mesmo por governistas, caso da Procuradora Geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz. A deterioração da situação econômica e social tem como consequência o aumento da pobreza no país e o surgimento de um fenômeno novo por aqui: pessoas que buscam alimentos entre os dejetos.
    “Dá tristeza como está a Venezuela agora. As pessoas estão comendo lixo na rua. Eu achava que era mentira, mas não. Eles comem como se estivessem comendo um quitute. Triste”, constata Trozzy.
    Remédios também estão em falta
    A falta de produtos de cozinha também é acompanhada pelo desaparecimento de alguns remédios. O marido de Teresa, hipertenso, todos os dias deveria tomar um comprimido que agora não há no país. Ela precisou recorrer à sabedoria popular para não deixá-lo sem tratamento: "Meu marido é hipertenso e não está tomando nada. Apenas um alho, que dou a ele de manhã (para equilibrar a pressão), e não está tomando nada", afirma.
    Leila Alves, de 38 anos, dá aulas de português na capital venezuelana. Saiu de Petrolina, em Pernambuco, há quase nove anos para morar em Caracas. Ela não pensa em voltar ao Brasil, só se algo muito grave acontecer por aqui. Segundo ela, só "se tiver uma guerra civil ou se não houver comida... No dia que eu passar fome eu não vou ficar aqui. Quando a situação apertar eu vou embora, mas eu gostaria de ficar aqui”.
    A corrupção em comum
    Embora Caracas e Brasília fiquem distantes uma da outra, de acordo com a professora, há pontos em comum entre ambas as capitais: “O governo brasileiro e o governo venezuelano, eles têm de muito parecido a corrupção. A vontade de estar no poder prevalece mais que a necessidade das pessoas. Isso é ruim. Eles parecem ser irmãos gêmeos. A diferença é que aqui os poderes estão com um governo só e lá no Brasil nós temos as partes separadas”, declara Leila Alves.
    O processo para a Assembleia Nacional Constituinte já está em marcha e se o cronograma do Conselho Nacional Eleitoral for cumprido, a Venezuela deve realizar em 30 de julho a eleição dos constituintes. No entanto, esse processo não é visto com bons olhos. É o que espera o goiano Getúlio Clemente, que chegou na Venezuela em 2008 para estudar Medicina: "A esperança é a ultima que morre e eu acredito que isso ( a Assembleia Nacional Constituinte) não vai acontecer", afirma.
    Nas ruas da Venezuela o clima é de apreensão sobre o que será o amanhã de um país que possui uma das maiores reservas de petróleo de mundo e que já foi sinônimo de prosperidade e de riqueza.

  • Se estivesse vivo, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim teria completado em 25 de janeiro passado 90 anos. Agora, um show itinerante, que circula todos os meses por alguns dos mais notáveis cafés de Buenos Aires, presta homenagem ao maior expoente da música brasileira.
    Do correspondente em Buenos Aires

    Notorius, Jazz Voyeur ou o histórico Las Violetas são alguns dos palcos do show "Tributo a Tom Jobim". O repertório destaca canções emblemáticas da carreira do maestro, que se dedicava aos arranjos para composições de outros músicos até a estreia, em 1956, da peça "O Orfeu da Conceição", de Vinícius de Moraes. Com cenário de Oscar Niemeyer, a produção musical teve a assinatura de Tom Jobim.
    A partir daquele momento, começava uma revolução silenciosa. Com ele, a música erudita se popularizava enquanto o samba se modernizava. Em 1958, Tom descobria a fórmula mágica: a Bossa Nova.
    Até sua prematura despedida, em 1994, a consagração mundial do maestro incluía obras-primas, como "A Felicidade", "Insensatez", "Corcovado", "Samba de Uma Nota Só", "Águas de Março", "Desafinado" e a segunda canção mais executada na história da música, "Garota de Ipanema" (1962), que só ficou atrás de "Yesterday" (1965), dos Beatles.
    Com Tom Jobim, aliás, Ipanema tornava-se a referência no imaginário internacional de felicidade. Deixava, inclusive, para trás Copacabana, a princesinha do mar de Dick Farney. Era o cartão postal do Brasil feliz que se industrializava, que se urbanizava, mas que se inchava até ser depois criticado pelo próprio maestro pela especulação imobiliária e pelo desmatamento voraz.
    Com a Bossa Nova, a música brasileira ficou positiva. Saiu da "saudade sem fim" para o "Chega de Saudade". O "nunca mais" virou "por toda a minha vida". E o "adeus" tornou-se a certeza de uma volta e de "Eu Sei que Vou Te Amar".
    Shows na Argentina
    Quase não há registros, mas Tom Jobim veio tocar na Argentina uma única vez, durante duas semanas no verão de 1978, na cidade de Mar del Plata, mais exatamente no Hotel Hermitage. Apresentou-se com o legendário show do Canecão (1977) ao lado de Vinícius de Moraes, Miúcha, Toquinho, Olivia Hime e o Quarteto em Cy.
    Agora, é a vez de o espetáculo em Buenos Aires atrair, em cada edição, centenas de argentinos e brasileiros. Com o argentino Norbi Córdoba no baixo e o uruguaio Fabián Miodownick na bateria, o show é conduzido pela voz da brasileira Josi Dias e pelo maestro argentino Jorge Cutello, no piano e em português.
    "A Bossa Nova é uma síntese da classe média universitária. É uma música educada. E o Tom tem essa mistura de música clássica, jazz e samba. É uma mistura maravilhosa, perfeita. Eu acho que o Tom é o representante mais importante da música do Brasil", define Cutello.
    Em dueto, é como se a pernambucana Josi Dias cantasse com a alma.
    "Com a Bossa Nova, eu canto realmente com a alma e com o coração. Somente de escutar a melodia que ele compôs, eu já choro de emoção. Ele me faz chorar somente com as notas", desabafa emocionada.
    Em "Eu Sei Que Vou Te Amar", combinada com "Dindi", Josi Dias alterna estilos que remetem a Maria Creuza e a Astrud Gilberto, respectivamente. Já o estilo de "Garota de Ipanema" recorda a versão de Leni Andrade. O "Samba de Uma Nota Só" associado ao poema de Gonçalves Dias "Canção do Exílio" (Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá) resgata a versão que Tom Jobim apresentou no Festival de Jazz de Montreal em 1986 e emociona os brasileiros há anos distantes de sua terra.
    "Eu venho para matar a saudade, estar entre amigos e escutar a música do Tom Jobim. É muita poesia e é muita conexão com o Brasil", descreve radiante a baiana Catia Assis, há 12 anos em Buenos Aires.
    "Chega de Saudade"
    Na versão de "Chega de Saudade", Josi Dias quis dar um toque de tango. O resultado, no entanto, remete à primeira gravação na voz de Elizete Cardoso.
    "É uma versão com a influência do tango daqui. A época da Elizete Cardoso também era o auge do tango. Então, tem uma coisa meio melancólica do 'vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser', aquela coisa do sofrimento e de que ela volte. Tento essa versão meio tangueira, saindo um pouquinho da Bossa Nova", explica.
    "Chega de Saudade" no LP "Canção do Amor Demais", de 1958, com o violão moderno de João Gilberto em contradição com os vibratos de Elizeth Cardoso, é considerada o marco zero da Bossa Nova, a transição de uma música em extinção para uma que nascia. Já nada seria igual, mas essa é outra história. Uma história que, no ano que vem, completa 60 anos, graças a Tom Jobim.
    Quando em 1990, a ausência física Vinícius de Moraes completava dez anos, Tom Jobim escreveu: "Cadê o meu Poetinha? Cadê minha letra, cadê? E morro aqui neste piano de saudades de você".
    E parafraseando agora o próprio Tom, "Cadê o nosso Maestro, cadê? E morremos todos neste artigo de saudades de você".

  • A história de amor entre a argentina Marta Rodríguez Santamaría e o compositor carioca Vinícius de Moraes (1913-1980), tema do documentário "O Vinícius de Marta, um amor portenho", do cineasta Carlos Pronzato, foi exibida nesta semana na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. A RFI conversou com Marta, a oitava das nove esposas de Vinícius.
    Do correspondente da RFI em Buenos Aires
    "Eu não tive coragem de continuar com Vinícius de Moraes", diz Marta. No verão de 1975, eles se conheceram em Punta del Este, no Uruguai. Mal sabiam que passariam os três anos e meio seguintes entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires ou em qualquer cidade do mundo aonde uma turnê os levasse.
    "Martinha", como Vinícius a chamava, fez coincidir as suas férias no Uruguai com as apresentações de Vinícius em Punta del Este em fevereiro daquele ano. Também passou a frequentar o mesmo restaurante em que Vinícius jantava depois de cada show.
    "Eu queria conhecer o Vinícius. Uma amiga e eu conhecemos o baterista dele numa praia em Punta del Este. Ele nos contou que Vinicius jantava sempre no mesmo restaurante. Na primeira noite, ele não foi. Na segunda, chamou-nos para sentarmos à mesa com ele", recorda Marta.
    A então estudante de Direito tinha iniciado o seu fascínio platônico pelo poetinha um ano antes, quando ouvira a faixa "Se Todos Fossem Iguais a Você" no LP "La Fusa", um legendário disco argentino que reuniu Vinicius, Toquinho e Maria Creuza em Buenos Aires e que marcou gerações na Argentina com a música brasileira.
    Atração irresistível
    De fã a uma atração inevitável passaram-se apenas alguns dias. Primeiro Vinícius pediu que ela ficasse mais uma noite para assistir ao show em Punta del Este. "Eu já tinha de deixar o hotel em Punta e tinha passagem para voltar a Buenos Aires no dia seguinte. Acabei ficando mais dois dias", conta.
    Depois, pediu que ficasse para o show seguinte em Montevidéu com Toquinho e Joyce. E uma semana depois, Vinícius veio à Argentina para mais shows em Buenos Aires, com Edu Lobo, e procurou por Marta.
    "Na última noite, nos bastidores, ele me disse 'Martinha, vou ter muitas saudades de você'. Disse em espanhol porque eu ainda não falava português. Eu sentia que havia alguma sedução, mas com isso eu pensei "Epa! Alguma coisa está acontecendo'. Ficou claro", relembra.
    "O Vinícius tinha uma energia completamente fora de série. Uma força fora do comum. Carisma, sedução, simpatia. Eu nunca vi uma pessoa igual ao Vinícius", descreve.
    Virgílio de Moraes
    A partir daí, viriam as cartas sob o pseudônimo de "Virgílio de Moraes" para despistar a mãe de Marta, que não aceitava a relação. Também para despistar a ainda sétima esposa de Vinícius, Gesse Gessy, com quem o poetinha vivia em Salvador. "Vinícius ainda estava casado, mas eu não sabia. Eu não perguntei a ele. Começou como uma amizade", explica.
    As cartas eram como viver a canção "Minha Namorada", de Vinícius e Carlinhos Lyra, com os versos "meu poeta eu hoje estou contente porque eu recebi uma cartinha sua" até "se você quer ser minha namorada [...] sem a qual a vida é nada, sem a qual se quer morrer".
    "Essas cartas refletiam exatamente o que o Vinícius era: muito romântico. Agora eu posso tomar distância, deixar as minhas penúrias pela minha mãe que era uma coisa dramática. Posso rir e desfrutar dessa história maravilhosa de Vinícius me escrevendo secretamente da Bahia, indo a um hotelzinho de um amigo dele para me escrever as cartas", desabafa Marta.
    Enquanto isso, em Buenos Aires, ela estudava português. "No estilo de Vinícius, ele me sugeriu 'seria interessante você estudar português'. Aí, me recomendou a Maria Julieta Drummond de Andrade, filha do Drummond. Maria Julieta foi a minha professora", conta. A filha de Drummond era diretora do Centro de Estudos Brasileiros (CEB), extensão cultural da Embaixada do Brasil em Buenos Aires.
    Vinícius estava num processo de separação que culminaria no final de 75. Em novembro, Martinha já estava morando com Vinícius, inicialmente na casa de Chico Buarque no Rio de Janeiro. No mês seguinte, acompanharia o seu agora marido numa longa turnê pela Europa com Toquinho e Joyce.
    39 anos de diferença
    A jovem de apenas 22 anos e o poeta de 61. A diferença de 39 anos, no entanto, não foi uma barreira. "Nunca pensei 'não, ele é muito mais velho do que eu. Não posso, não devo'. Era muita diferença de idade, mas não era qualquer homem de 60. Era o Vinícius com essa coisa mágica que te transformava. Eu nunca fiquei arrependida de ter ficado com Vinícius, nunca", assegura Marta.
    O carioca tinha a idade do pai de Marta, que aceitou a relação. O irmão dela, quatro anos mais novo, tinha uma boa relação com Vinícius. A mãe foi o grande obstáculo. "Eles tiveram uma reunião em Buenos Aires. A minha mãe veio falar com ele. Questionou como ele estava com uma menina. Foi uma reunião difícil", conta.
    Época dourada
    A vida no Rio de Janeiro dos anos 70 era maravilhosa. Os amigos de Vinícius receberam Marta como uma igual. Tom Jobim, Chico Buarque, Toquinho. O mesmo valeu para as irmãs e para as filhas do poeta. "Foi como a canção Água de beber (A minha casa vive aberta/ Abri todas as portas do coração). Fui aceita por todos. Foi maravilhoso. Eu estava apaixonada não só pelo Vinícius, mas pela cidade, pelos amigos", ilustra Marta, que trocava a sociedade portenha mais fechada pela carioca, aberta.
    Como testemunha privilegiada da Bossa Nova, Martinha assistiria a todos os shows de Vinícius, menos um no Olimpia, em Paris, porque, enquanto Vinícius se apresentava, Baden Powell ficou no camarim tocando exclusivamente para Marta.
    Quando, em 1976, Tom Jobim lançou Urubu, o casal Vinícius e Marta foi o primeiro a ir até a casa de "Tonzinho" para a apresentação das canções do novo LP. "Foi uma época de muita plenitude. Era tudo harmonioso. Não tinha nada discordante. Tudo fluía. Era uma coisa incrível. Os anos mais intensos da minha vida", define.
    A separação
    A pressão da mãe, a faculdade de Direito interrompida e a vida portenha posta de lado começavam a pesar até que, em meados de 1978, Marta decidiu regressar. "Chegou um hora em que a gente se separou. Eu me separei por essa razão, mas eu continuava amando o Vinícius", revela.
    Vinícius ainda tentou recuperar a relação com aquela para quem tinha escrito o "Soneto de Marta" e duas canções "Amigo portenho" e o samba "Se ela quisesse".
    "Ele veio a Buenos Aires, durante a Copa do Mundo de 78, para me pedir que o acompanhasse pela Europa com o show do Canecão (legendário show de 1977 com Tom Jobim, Toquinho e Miúcha). Eu disse 'olha, Vinícius, eu estou procurando um trabalho, quero ver se volto para a faculdade'. Foi terrível, muito duro esse momento", descreve. "Ele aceitou porque sabia que o assunto não era fácil para mim", interpreta.
    No samba "Se ela quisesse", Vinícius diz a Marta: "Se ela tivesse a coragem de morrer de amor, se não soubesse que a paixão traz sempre muita dor".
    "Vou dizer uma coisa forte: eu não tive a coragem de ir atrás de Vinícius e de continuar estando ao lado dele. Não tive coragem. Era jovem. Apesar dessa afinidade que a gente teve", confessa.
    "Infinito enquanto dure"
    "Foi um encontro de almas. Um encontro que estava marcado, que tinha que acontecer, que não podia não acontecer. Foi muito forte e foi inevitável", avalia.
    Ela se separou, mas, no fundo, nunca terminou. Assim como Vinícius é imortal como a chama, o amor de Marta é infinito porque ainda dura.
    Quando Vinicíus faleceu em 1980, Marta soube pela TV em Buenos Aires. Tentou falar com a família que estava no cemitério. Não conseguiu voo. Ficou impossibilitada de comparecer fisicamente. Um amigo fotógrafo, Jorge Aguirre, que cobria a visita do Papa João Paulo II ao Rio, sabia da história de Marta. Distante, intuiu o que acontecia. Foi ao cemitério como fotógrafo e colocou flores brancas em nome de Marta junto ao caixão de Vinícius.
    "Ele teve flores minhas. Flores brancas", murmura emocionada. E como dizia o poeta, "a vida só se dá para quem se deu".

  • O Aeroporto Internacional de Maiquetía, o principal da Venezuela, é a porta de saída de venezuelanos que decidiram deixar o país natal, há anos imerso em uma profunda crise. Um dos destinos preferidos é o Brasil, sobretudo Roraima devido à proximidade da fronteira, mas outras regiões do país também atraem.
    Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas,
    Empresário do ramo de segurança em Coro, no noroeste da Venezuela, Geraldo Hernández deixou tudo para trás por já não suportar viver no país natal. O fato de ser filho de uma carioca o ajudou na escolha do próximo destino da família: o Rio de Janeiro. “A situação era insustentável. Já não conseguia manter a minha família. Eu pesava 106 quilos. Cheguei no Brasil pensando 76, realmente eu não tinha possibilidades de me sustentar”, contou.
    Nos primeiros dias a ajuda da família brasileira foi fundamental. Agora, ele trabalha como vendedor em uma empresa e reconhece que a situação no Brasil não é das mais fáceis. “O Brasil está passando por sérios problemas econômicos, políticos, graves também de certo modo. Nesse curto período tem sido difícil acertar as contas no fim do mês por causa da crise, mas ainda acho que o Brasil tem capacidade e estrutura para sair dessa situação”, avalia.
    Nascimento de filho definiu mudança
    Desde 2011 Laura Bego e o marido, o brasileiro Lucas Gomes, avaliavam mudar de país. Mas foi em 2014, quando o filho do casal já havia nascido, que a decisão foi tomada. A dificuldade de conseguir produtos para o bebê, entre eles fraldas, foi um dos motivos da mudança para Porto Alegre. Laura reconhece que não foi fácil, mas a troca tem sido positiva: “ Estamos batalhando para ter o que a gente não tem na Venezuela. Dar qualidade de vida pro nosso filho. Nós conseguimos abrir uma empresa própria. Só o fato de poder ir pro supermercado e ter comida, poder sair ainda à rua, ter essa qualidade de vida vale a pena qualquer sacrifício”.
    Para Laura, Porto Alegre transmitia a segurança que ela não encontrava mais em Caracas, apesar de que isso vem mudando. “Eu acho que a insegurança tem a ver com a situação política e econômica do país. É uma consequência de toda a situação que o Brasil está vivendo agora”, afirma.
    Sem comparação com qualquer outro país

    A administradora de empresas Johanna Delmoral mora há oito meses em Joinville, no interior de Santa Catarina, e saiu do país natal também por não ver mais perspectivas. "Eu acho que, por enquanto, nenhum país tem comparação. Agora na Venezuela não tem ponto positivo que eu possa falar".
     
    Álvaro Olivares foi para o Rio de Janeiro estudar. O êxodo que muitos conterrâneos estão empreendendo agora, ele fez há sete anos escapando da crise na Venezuela e em busca de novas oportunidades. Ele tem uma loja de roupas, mas reconhece que o Brasil vive uma fase delicada: “Eu quero crescer, abrir mais outras franquias, mas a economia não está ajudando muito. Mas, mesmo assim, aqui está bem melhor que na Venezuela”, garante.

     
     
     
     
     
     
     

  • Depois de 26 anos de Mercosul, o estado do Amazonas finalmente começa a participar do bloco.
    Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires.
    A distância geográfica do Amazonas com o resto dos países integrantes do Mercosul e a falta de uma conectividade direta funcionaram sempre como uma barreira invisível. Agora, a situação começa a mudar.
    Desde fevereiro passado, um voo semanal direto da companhia aérea GOL entre Buenos Aires e Manaus começou a integrar o Amazonas com o sul da América do Sul.
    Na prática, a ligação aérea se traduz em mais turistas, em mais comércio e, num segundo momento, em mais investimentos. Foi o que se imaginou em 2006 para a região Norte do Brasil, quando a Venezuela iniciou o seu processo de adesão ao Mercosul. Esse processo nunca se completou e a atual suspensão da Venezuela do bloco faz com que o Amazonas olhe agora para a Argentina.
    "O governo do estado do Amazonas está à espera da melhora do ambiente político e econômico na Venezuela. Enquanto isso não acontece, evidentemente o estado vai fazendo a sua para-diplomacia com outros países. Se não for uma visão mais acima, mais para o norte, com certeza, será uma visão mais para o sul", explica à RFI o secretário executivo adjunto de Relações Internacionais do estado, Farid Mendonça.
    Falta de integraçã, falta de negócios

    Os números do Amazonas com o Mercosul são próprios de uma região que não se integrou até hoje ao bloco. Em 2016, a balança comercial do Amazonas com os países do Mercosul foi de apenas US$ 205 milhões, menos de 1% do comércio bilateral entre Brasil e Argentina, atualmente em US$ 22,5 bilhões.
    Das mais de 500 empresas na Zona Franca de Manaus, apenas 3 são de capital argentino. Os humildes números revelam que a margem de crescimento é grande, como aponta Farid Mendonça da secretaria de Relações Internacionais do Amazonas.
    "Acreditamos, pelo menos, num aumento de 50 a 60% do número de turistas argentinos na cidade de Manaus, no estado do Amazonas nos próximos dois anos. E também acreditamos num maior fluxo de comércio, num crescimento de, pelo menos, 20% em um ano", confia. "Eu classificaria essa nova fase como de uma grande importância estratégica para o Amazonas", define.
    De costas para o sul

    Oreni Braga, presidente da Amazonastur, a empresa estadual de turismo, admite à RFI que o Amazonas se dedicou à Europa e aos Estados Unidos e que se esqueceu dos vizinhos da América do Sul que agora quer conquistar.
    "Nós estamos descobrindo que, na América Latina e no próprio Cone Sul, temos um fluxo turístico extremamente importante. É uma demanda reprimida que precisa conhecer os "Brasis" do Brasil que se conhece hoje. Nós estamos fazendo um trabalho para que esse argentino, assim como o americano e o europeu que já conhecem o Amazonas, descubra a riqueza, a cultura do estado, e o que a floresta amazônica oferece para o mundo", explica.
    Demanda reprimida
    A Argentina é o principal emissor de turistas estrangeiros ao Brasil. No ano passado, foram 2,1 milhões de argentinos. E quantos desses chegaram a Manaus? Ínfimos 3.248. O país não aparece nem entre os 10 principais emissores de turistas ao Amazonas, uma realidade que deve mudar rapidamente.
    "Nossos trabalhos indicam que o nosso fluxo cresce de 12 a 15% a cada ano", revela Oreni Braga, que, durante a passagem por Buenos Aires, nesta semana, fechou um acordo com o governo da capital argentina para divulgar Buenos Aires em Manaus para os amazonenses enquanto Manaus tenta seduzir os portenhos.
    "O amazonense não é diferente: sonha com o glamour do Tango e 'Mi Buenos Aires querido' está no seu imaginário. Com um voo direto, sem dúvida, vão conhecer até o frio na Patagônia, novidade para quem vive na Amazônia", prevê.
    Voo da GOL faz a diferença

    A consolidação do fluxo entre as duas regiões até agora desconectadas vai depender, no entanto, do aumento da frequência de voos. A GOL considera que um voo tem sentido se a sua ocupação se mantiver em, pelo menos, 80%. O retorno financeiro para a companhia acontece aos cinco ou seis meses de inaugurada a nova rota. No máximo, um ano depois. O sucesso da rota poderia atrair outras companhias.
    "Um fluxo maior vai depender muito da ampliação da frequência entre Manaus e Buenos Aires. Isso vai depender também de como vamos trabalhar o mercado e de qual será a resposta dos operadores. Na verdade, quando a demanda reprimida se manifestar, a companhia vai ser obrigada a colocar novos voos", aposta Oreni Braga da Amazonastur.
     


  •  Um relatório da organização americana Human Rights Watch (HRW) aponta que nos últimos anos mais de 12 mil venezuelanos chegaram no Brasil. Eles escapam da escassez de alimento e de remédios, da alta criminalidade, inflação e da instabilidade política na Venezuela. O estado brasileiro de Roraima, por estar na fronteira com o país socialista, é um dos principais destinos.

    Por Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas

    Para comentar o relatório “Venezuela: Crise Humanitária Alastra-se para o Brasil”, publicado pela ONG de Direitos Humanos, em 18 de abril, a reportagem da RFI entrevistou Telma Lage, advogada e coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos (CMDH), localizado em Boa Vista. Segundo ela, “o relatório vem ratificar aquilo que denunciamos através da nossa integração com os venezuelanos”.
     
    Nesta semana, o Senado brasileiro aprovou a nova Lei de Migração, que seguirá para sanção do presidente Michel Temer. O texto regula a estadia de estrangeiros em território brasileiro e garante ao imigrante a igualdade com os nacionais.
     
     
    Para a advogada a nova lei é um avanço: “A nova legislação traz ganhos importantes, principalmente para a regularização das pessoas que chegam no país”.
    Pedido de asilo aumentou muito
    Segundo o governo brasileiro, o número de venezuelanos que pedem asilo aumentou radicalmente, passando de 54 casos, em 2013, para 2.595 nos primeiros onze meses de 2016.
    Alguns setores públicos buscam acelerar o atendimento aos estrangeiros. Mas ainda é grande a quantidade de pessoas que ainda tentam regularizar a situação. “Aqui em Boa Vista chegam muitos venezuelanos. O fluxo continua, não teve redução. Agora está tendo um mutirão na Polícia Federal para tentar regularizar os pedidos de quem quer pedir refúgio e temos na fila três mil pessoas”, conta Telma.
    Até o final do ano passado o Ministério Público só havia resolvido 89 dos 4.670 casos de pedidos de asilo solicitados por venezuelanos em 2012. Só 34 desses casos conseguiram o benefício.
    Refugiados em situação precária
    Muitos venezuelanos em Roraima vivem em situação precária, inclusive dormindo nas ruas. Outros, são vítimas de exploração, uma situação que preocupa a coordenadora do CMDH.
    “Um grande problema que identifico aqui é a questão do mercado de trabalho que já está saturado. Roraima não tem muitas frentes de trabalho e com esse excedente de mão de obra acaba havendo exploração. Por exemplo, um venezuelano descarrega um caminhão por dez reais, é muito pouco. O valor pago a um brasileiro era de 50, 60 reais”, relata a advogada.
    Sem perspectivas para o fim da crise no país comandado por Nicolás Maduro a perspectiva é que o fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil continue em alta.
     

  • A Procuradoria de Investigações Administrativas da Argentina tem na mira 98 empresas ligadas às envolvidas com a corrupção no Brasil. É a versão argentina da operação Lava Jato.
    Os US$ 35 milhões que a Odebrecht confessou ter pago na Argentina, entre 2007 e 2014, podem ser apenas o começo de um submundo de subornos muito maior. A investigação preliminar concentra-se nas construtoras brasileiras Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez. Também nas argentinas Contrera Hermanos e Techint porque as suas filiais, no Brasil, aparecem envolvidas, respectivamente, no esquema de propina da Petrobras e da Eletronuclear. Associadas a essas cinco empresas principais, aparecem outras 93 firmas locais que tiveram obras contratadas pelo Estado argentino.
    O responsável pela Procuradoria de Investigações Administrativas, Sergio Rodríguez, explica à RFI Brasil que o objetivo é saber se o mesmo esquema de propina no Brasil foi reproduzido na Argentina.
    "Temos a suspeita de que a engenharia que a Odebrecht desenvolveu para pagar os subornos no Brasil pode ter sido usada aqui. Se essa engenharia teve sucesso no Brasil, por que não a utilizar aqui também?", questiona-se. "São 98 empresas investigadas, mas o número pode aumentar quando o Brasil e os ministérios argentinos me responderem", prevê.
    Força-tarefa binacional
    É tanto volume de informação e tantas informações cruzadas entre os países envolvidos que, em breve, Brasil e Argentina terão um equipe de investigação bilateral.
    Além disso, numa tentativa de avançar paralelamente, Sergio Rodríguez vai articular uma ponte com a Procuradoria peruana para cruzar informações.
    "Devemos reunir-nos em breve para cruzarmos informações e para vermos como foi o acordo que eles fizeram com a Odebrecht no Peru, sempre que a confidencialidade permitir", antecipa Rodríguez. "Até agora, estamos muito dependentes das informações que o Brasil envia", admite.
    No mês passado, o investigador argentino esteve em Brasília para uma reunião entre os representantes dos Ministérios Públicos de 11 países para definir a cooperação jurídica internacional contra a corrupção. Ficou decidido a formação de equipes bilaterais ou multilaterais de investigação sobre a Odebrecht e sobre outras empresas no âmbito da Lava Jato.
    Em janeiro passado, Sergio Rodríguez pediu que a força-tarefa da Lava Jato enviasse tudo o que pudesse ter vínculo com a Argentina, incluídas as delações dos executivos da Odebrecht.
    Internamente, Sergio Rodríguez pediu informação aos ministérios argentinos, ao Tesouro e ao departamento de orçamento do ministério da Fazenda sobre todas as obras e pagamentos realizados entre 2006 e 2015.
    Os nomes dos investigados na Argentina giram em torno de membros do governo da ex-presidente Cristina Kirchner. São, por exemplo, o ex-ministro de Planejamento, Julio de Vido e o ex-secretário de Transporte, Ricardo Jaime, já preso por outras denúncias de corrupção.
    O presidente Mauricio Macri diz que, se a Odebrecht confessar a quem pagou propina, poderá continuar na Argentina. "Se eles colaborarem em esclarecer quem recebeu os 35 milhões de dólares, se confessarem com quem fizeram transações na Argentina, no futuro poderão continuar trabalhando", indica Macri.
    Parentes de Macri na mira da investigação
    Mas a imagem do presidente Mauricio Macri poderia sair afetada através da sua família: em algumas obras, a Odebrecht fez parcerias com a empreiteira argentina IECSA que pertence a Ángelo Calcaterra, primo do presidente Macri. A IECSA pertencia ao pai de Macri, Franco Macri, até 2007, quando o hoje presidente começou a governar o Distrito Federal de Buenos Aires.
    "Vamos analisar todo o quadro societário da empresa", indica Rodríguez.
    As informações mais cruciais, no entanto, chegarão à Argentina a partir de 1º de junho, quando vence a cláusula de confidencialidade das delações premiadas no acordo entre a Justiça brasileira e a Odebrecht sobre atos de corrupção praticados pela empresa no exterior. O fim desse sigilo pode causar um terremoto político na Argentina que estará em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas de outubro.
    "Eu não descarto nada", conclui Sergio Rodríguez, responsável pela Procuradoria de Investigações Administrativas.

  • Até há pouco tempo, a Colômbia era para a maioria dos brasileiros apenas um vizinho relativamente pouco conhecido na América Latina. As referências se limitavam ao narcotráfico, à guerrilha e, no melhor dos casos, à cantora Shakira. Mas essa percepção está mudando.
    Andrea Domínguez, correspondente da Rádio França Internacional, em Bogotá,

    Embora ainda tenha muitos problemas sociais, a Colômbia tem desfrutado de uma economia estável e de um aumento na segurança nos últimos anos, tornando-se mais atraente para os estrangeiros. Esta situação, somada à crise econômica e política no Brasil, tem levado muitos brasileiros a olhar para esse “país hermano” como uma possível terra de novas oportunidades.
    É o caso de Nuno Alves, de 29 anos de idade, professor de inglês e português em Bogotá. Nascido e criado na cidade de São Paulo, Nuno veio pela primeira vez para a Colômbia em 2014 como integrante de um projeto da AIESEC, uma organização de jovens que promove o desenvolvimento pessoal com intercâmbios em diversos países.
    Ao finalizar seu projeto, Nuno voltou para o Brasil com a intenção de achar um emprego e continuar morando na sua cidade natal. Mas a realidade frustou suas expectativas e ele decidiu regressar para Bogotá em 2016.
    “Voltando para o Brasil, eu me espantei muito com a situação que eu encontrei lá: eu sou de São Paulo, que já é uma cidade cara e quando voltei depois de morar na Colômbia, eu encontrei uma cidade três vezes mais cara”, contou em entrevista à RFI Brasil.
    “Depois de morar na Colômbia, que tem um custo de vida tão baixo, tive vontade de morrer com o preço tão alto (das coisas). Eu ainda cheguei no olho do furacão da crise. Tentei conseguir um emprego, mas não encontrei, e quando encontrava, não dava segurança financeira mínima. Então pensei: prefiro voltar para lá que está mais tranquilo politicamente e financeiramente”.
    De turistas para imigrantes
    Segundo dados do Consulado do Brasil em Bogotá, o número de brasileiros que têm viajado para a Colômbia aumentou muito nos últimos anos. Em 2015, vieram para o país andino 141.624 brasileiros, 14 mil a mais do que em 2014. Já em 2016, esse número subiu para 186.269, ou seja, 45 mil a mais do que no ano anterior.
    Embora a maioria desses brasileiros tenha vindo de férias, há um número significativo de brasileiros que estão entrando na Colômbia para trabalhar ou estudar. Dos 186 mil brasileiros que visitaram o país em 2016, 140 mil vieram a turismo, e os 46 mil restantes vieram por outros motivos, como estudar ou trabalhar.
    Segundo Nuno, toda semana ele recebe mensagens de amigos, familiares ou conhecidos perguntando sobre as possibilidades de se desenvolver profissionalmente e de se manter financeiramente na Colômbia.

    Na opinião dele, que já viajou pelo país inteiro de mochila, há muitas chances de encontrar emprego estável, mas principalmente para pessoas com mais qualificação profissional.
    Segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2014 para 2015, foi registrado um aumento de 65% no número de profissionais brasileiros enviados por multinacionais para atuar no exterior.
    É inegável o papel que tem nesse “êxodo” o alto custo de vida e a diminuição das oportunidades profissionais. Segundo os dados da PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, enquanto a taxa geral de desemprego no Brasil foi de 11,8% no terceiro trimestre de 2016, entre os jovens de 18 a 24 anos, ela chegou a 25,7%.
    Outro dado que mostra o aumento da presença brasileira na Colômbia é o número de "cédulas de extranjería" expedidas pelas autoridades. Esse é o documento fundamental para o estrangeiro realizar qualquer trâmite no país, desde a solicitação de uma linha de telefone celular até uma matrícula escolar. O número de "cédulas" outorgadas a brasileiros com residência foi de 150 em 2014, e aumentou para 322 em 2016. Já a quantidade de "cédulas" entregues a brasileiros com visto temporário aumentou bastante no mesmo período: de 286 em 2014 subiu para 1.335 em 2016.
    Jovens e sêniors identificam oportunidades
    São muitos os jovens profissionais brasileiros que têm vindo para a Colômbia por falta de boas ofertas no mercado brasileiro, como o Felipe Diniz que trabalha em desenvolvimento de software. Ele veio para Bogotá desiludido pelas ofertas ruins de trabalho que encontrava em São Paulo. Gustavo Delvay, graduado em comércio internacional, veio trabalhar com o Spotify depois de ter esgotado a procura por ofertas de emprego no Brasil.
    Mas não só profissionais jovens cogitam uma mudança. Aos 59 anos de idade, pai de duas filhas e avô de dois netos, o professor universitário e consultor em logística, Francisco Moreno, pretende deixar Blumenau, no estado de Santa Catarina, para vir morar na Colômbia com a família.
    Mesmo sendo de uma região com grandes empresas no setor agroalimentar,que exporta para todo o mundo, e possuindo o segundo maior porto em movimentação de contêineres do Brasil, a cidade não escapou da crise. Recentemente, Francisco viu, como muitos de seus colegas, vários escritórios fecharem suas portas por falta de trabalho ou porque os custos de manter o negócio superavam as receitas.
    “Não é novidade a grave crise que o país passa em virtude da má administração e da corrupção em todos os níveis. Lamentavelmente, quem está pagando a conta é povo. Desempregados, sem assistência médica adequada, sem segurança, sem educação de qualidade e passando necessidade por não conseguir honrar suas contas”, afirma.
    “Há muito penso em sair do Brasil, viver num país que acredito possa ter um pouco mais de dignidade e que necessariamente não fique muito longe do meu, e que a possibilidade de trabalho e estudo sejam mais adequadas”, explica.

    Francisco não se ilude. Sabe que todos os países têm seus problemas, mas o fato de não ter qualquer perspectiva de um novo emprego estável tem feito com que ele leve a sério a ideia de encarar uma nova vida. Francisco já esteve na Colômbia sondando as possibilidades. Ele visitou Bogotá, Medellín e Cartagena. Dessas três cidades, ele gostou mais do ambiente de Medellín.
    “A Colômbia é a sexta economia das Américas, a quarta da América Latina. Um país, pelo que vi, com muitas oportunidades de crescimento. A política agora está estável e a economia também. Quando estive no país em dezembro, ouvi na TV algumas reportagens também sobre corrupção, porém é um país mais seguro que o Brasil hoje”, avalia.
    Sensação de mais segurança
    Apesar de ser um país mundialmente conhecido pela violência extrema ligada ao narcotráfico, a Colômbia hoje é vista por muitos brasileiros como mais segura que o Brasil. Renan Felipe Dos Santos veio para Bogotá em 2014 para morar com a sua namorada colombiana. Logo arrumou emprego e agora cogita trazer sua mãe, que mora em Porto Alegre.
    “Eu morava em um bairro bastante violento de Porto Alegre, que ultimamente tem sido praticamente uma zona de guerra entre facções criminosas disputando território por narcotráfico. Eu estou muito preocupado com minha família, por isso considerei a possibilidade de trazer minha mãe para a Colômbia”, diz.
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     

  • A intensa movimentação comercial fomentada por venezuelanos no Brasil e na Colômbia levou o presidente Nicolás Maduro a autorizar a abertura de 20 casas de câmbio na fronteira com estes dois países. Ele recorreu ao Decreto de Emergência Econômica para lançar a medida até então inédita.
    Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas
    A escassez de produtos na Venezuela tem sido o estopim que motivou o aparecimento de máfias que trocam o bolívar, a moeda venezuelana, por outras moedas estrangeiras, sobretudo negociando no mercado paralelo o dólar. No país socialista a moeda norte-americana é supervalorizada na cotação informal já que a Venezuela há mais de uma década tem um ferrenho controle cambial. Agora, no país, funcionam quatro taxas de câmbio: três oficiais e uma paralela.

     Há anos o governo venezuelano tenta neutralizar o poder das negociações paralelas no país, lembra o analista financeiro Eduardo Semtei. Segundo ele, no mercado negro, um dólar está cotado agora a 3.700 bolívares, enquanto no mercado oficial a taxa mais alta é de 700 bolívares. "O governo acredita que pode baixar a cotação fazendo um malabarismo financeiro abrindo as casas de câmbio”, afirma Semtei.
    Trocar legalmente bolívares por reais ou vice-versa chama a atenção de quem cruza constantemente a fronteira Brasil-Venezuela. Porém, na prática, essa cotação oficial das casas de câmbio não vem agradando tanto.
    Timóteo Camargo, morador de Roraima, conta que “a discrepância no câmbio oficial para o paralelo é tão grande que é impensável viajar pra Venezuela utilizando o dinheiro trocado no câmbio legal”.


    A declaração de Timóteo demonstra que o câmbio informal continuará a ser o preferido de muitos viajantes já que ele propõe uma cotação muito superior à oferecida nas casas oficiais.
    Pouca moeda estrangeira circulando na Venezuela
    Além disso, a escassez também afeta o mercado cambial. Há pouca moeda estrangeira circulando no país por causa da falta de investimentos externos. A situação é agravada pela queda do preço internacional da única grande produção da Venezuela: o petróleo.
    Este é o motivo pelo qual o analista financeiro Eduardo Semtei garante que as casas de câmbio na fronteira estão com os dias contados, afinal como vender a baixos preços o que está em falta? “A cotação é feita sobre a base de um malabarismo financeiro abrindo casas de câmbio. Mas isso é um problema de oferta e de demanda tanto na fronteira da Venezuela com o Brasil como na da Colômbia. O câmbio não obedece a vontade de uma pessoa ou de um grupo e sim de disponibilidade de divisas e não há disponibilidade de divisas. Os efeitos destas medidas incorretas serão sentidos em poucos dias.”
    Já no primeiro dia, algumas casas de câmbio na fronteira colombiana não dispunham de dinheiro para fazer a troca de bolívares por moedas estrangeiras, o que respalda a tese de Semtei.
    No entanto, o ministro de Economia e Finanças, Ramón Lobo, garante que a a abertura das casas de câmbio na fronteira tem como objetivo “proteger a moeda venezuelana”. No entanto, ele não deu explicações de como isso acontece na prática, tendo em vista que a preferência até entre os venezuelanos é por moedas estrangeiras, considerada a única maneira de garantir uma poupança diante do bolívar que a cada dia se desvaloriza com a inflação galopante que acontece na Venezuela.

  • Novas delações que envolvem membros do Congresso, do Ministério e até o presidente Michel Temer. Uma queda-de-braço entre o Poder Judiciário e o Legislativo. Desgaste social e piora das perspectivas econômicas. Os países vizinhos, especialmente os do Mercosul, acendem o sinal de alerta e temem os efeitos na região de um agravamento da crise brasileira.

    Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
    Quando perguntada pela RFI Brasil sobre como os países do Mercosul viam os novos desdobramentos da crise brasileira, a chanceler argentina, Susana Malcorra, admitiu que "todos os países do bloco estão à expectativa de um Brasil que volte a crescer, mas que todos os sinais vistos pelos economistas apontam a uma preocupação nesse sentido".
    "Quando a economia do Brasil não cresce, tem um impacto direto sobre a nossa economia", concluiu a chanceler Malcorra.
    A RFI Brasil, então, foi conversar com dois desses analistas, consultados regularmente pelo governo argentino, sobre as expectativas em relação ao Brasil e sobre os impactos na vizinhança de uma piora na previsão em 2017. O crescimento da economia brasileira inicialmente previsto em 2%, caiu para 1,6% depois e já desceu para 0,4%, segundo os analistas de mercado no Brasil e a própria Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL).

    Crescimento nulo já é bom negócio
    Para o ex-secretário argentino da Indústria, Dante Sica, diretor da consultoria ABECEB, especializada no comércio com o Brasil e com o Mercosul, os últimos episódios políticos que envolvem o presidente Michel Temer "revelaram a fragilidade da aliança de governo no Brasil e afetaram a confiança de investidores, mesmo quando o congelamento do gasto público ou a reforma da Previdência pudessem agradar".
    "Claramente, há uma preocupação porque o Brasil é uma economia importante e tem forte incidência nos países do Mercosul, especialmente na Argentina, mas também no Uruguai e no Paraguai", observa Sica. "A melhor notícia que o Brasil nos poderia dar é que, no ano que vem, deixe de cair. Se, em 2017, o Brasil crescer 0% já é uma boa notícia para a região", contenta-se. "O problema é se, no ano que vem, nós nos enfrentarmos com um Brasil que continue sem encontrar o piso da crise", teme.
    Argentina encolhe 2% devido ao "efeito Brasil"
    A economia argentina deve crescer em 2017 entre 2,5 e 3,5%, segundo as consultorias DNI e ABECEB, respectivamente. O cálculo precisará ser refeito se o Brasil tiver nova contração econômica em 2017.
    "É que a cada um ponto que o Brasil encolhe, a Argentina diminui 0,25", calcula Dante Sica. Nos últimos dois anos, a economia brasileira encolheu quase 8%. Isso fez a Argentina encolher em quase 2% só pelo "efeito Brasil".
    O mais afetado é o setor industrial argentino, aquele que mais mão-de-obra emprega. As manufaturas argentinas que não são vendidas ao Brasil, não conseguem mercados alternativos. Além disso, várias indústrias estão divididas entre os dois países em cadeias integradas de produção. Quando um país produz menos, afeta o outro invariavelmente.
    "Na Argentina, em diversos setores, existe preocupação com a evolução da crise política no Brasil. Sofrem os setores que mais exportam ao Brasil como o automotivo, mas também auto-peças, químicos, farmacêuticos, plásticos, máquinas e equipamentos. Incertezas no Brasil geram crise lá e aqui", avalia Marcelo Elizondo, diretor da consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI).
    Efeitos invisíveis
    Marcelo Elizondo aponta ainda efeitos invisíveis da crise brasileira. Sem o Brasil, os esforços da Argentina em sair pelo mundo abrindo mercados são limitados.
    "Acredito que o impacto da crise do Brasil na Argentina não somente acontece pelas cifras que temos à vista, mas também devido ao que está oculto e que não pode ser medido. Por exemplo: a Argentina precisa sair pelo mundo como parte do Mercosul e como sócia do Brasil. A Argentina tem uma importância no mundo como sócia do Brasil que é diferente da importância individual", compara.
    Outros efeitos invisíveis da crise brasileira são os investimentos estrangeiros deixam de vir à Argentina porque veem o Mercosul como um todo. Também as empresas argentinas que deixam de investir porque não há negócios com o Brasil. Por último, as empresas brasileiras que deixam de investir na Argentina porque estão em situação de aperto no Brasil.
    "E o Brasil é um dos principais responsáveis pelo investimento direto estrangeiro", destaca Elizondo, quem aponta ainda outro exemplo que não pode ser medido:
    "A Argentina procura impulsionar o acordo comercial Mercosul-União Europeia. Isso teria muito mais força se o Brasil pudesse dedicar mais capital político às negociações. Mas hoje o Brasil está consumindo energia política com a sua crise interna. A Argentina não tem o sócio que poderia ter nas negociações com a União Europeia", lamenta.
    Consequência política
    Tudo isso num 2017 de eleições legislativas, cruciais para o presidente Mauricio Macri, em minoria num Congresso que se renova parcialmente em outubro. E o desempenho da economia argentina, dependente em boa parte do Brasil, seria o melhor cabo eleitoral.
    "Está claro que, para o presidente Mauricio Macri, seria muito melhor ter um Brasil que voltasse a crescer confortavelmente. A crise no Brasil afeta decisões de negócios não somente para 2017, mas também a médio e longo prazos. Para o presidente Macri, teria sido melhor um Brasil florescente e resplandecente", conclui Elizondo da DNI.

  • Clubes argentinos da Primeira Divisão fizeram uma homenagem aos jogadores da Chapecoense, que morreram em um acidente aéreo no dia 28 de novembro. As camisas das equipes ganharam o escudo do clube catarinense e serão enviadas a Chapecó.

    Márcio Resende, correspondente da RFI Brasil em Buenos Aires
    Dia 4 de dezembro. Pela primeira vez na história do futebol argentino, um time joga com o uniforme de outro clube e ainda por cima estrangeiro. O San Lorenzo de Almagro, cujo mais famoso torcedor é o Papa Francisco, deixa de lado o azul e o vermelho para vestir o verde numa original homenagem ao Chapecoense. Usa as mesmas camisas que pertenceram aos jogadores, agora falecidos, e com os quais, dias antes, os argentinos tinham disputado a semifinal.
    Os argentinos sentem, de perto, a tragédia que deixou 71 mortos entre jogadores, técnicos, dirigentes e jornalistas. E se o San Lorenzo tivesse derrotado o Chapecoense na semifinal, teria viajado naquele 29 de novembro para a final na Colômbia no mesmo avião do Chapecoense?
    Foi o que pensou María del Carmen Amézqueta, representante do San Lorenzo. "Como torcedora do San Lorenzo, isso também passou pela minha cabeça. Na hora, quando soube da notícia, fiquei imobilizada. Pensei que os meus jogadores podiam ter estado naquele lugar. Eu lidei diretamente com os dirigentes do Chapecoense dias antes. Inclusive agora, neste momento, eu sinto um nó no peito", descreve.
    A emoção toma conta de todos os dirigentes do futebol argentino, reunidos na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Dos 30 clubes argentinos da Primeira Divisão, 25 entregaram ao embaixador brasileiro, Sérgio Danese, as camisas que usaram nos jogos dos dias 3 e 4 de dezembro em homenagem aos jogadores do Chapecoense. Os demais clubes, como o River Plate e o Boca Jr, fizeram-no de forma individual.
    Javier Montanari, presidente de Relações Públicas do Huracán, é o dirigente argentino mais próximo do clube catarinense. Perdeu dois amigos no acidente. Os dirigentes Mauro Stumf e Eduardo Preuss, o Cadu Gaúcho.
    De todos os clubes argentinos, a torcida do Huracán era a torcida do Chapecoense em Buenos Aires. O Chapecoense eliminou, na semifinal, o San Lorenzo, arqui rival do Huracán. Automaticamente, ganhou o carinho da torcida.
    "Quando eles vieram, nós dissemos que eles tinham aqui milhares de torcedores, os do Huracán", recorda Montanari, quem prevê uma eterna recordação do Chapecoense em todos os campeonatos sul-americanos. "Para mim, será o clube que ninguém vai esquecer em todas as Copas Sul-americanas. Ninguém vai esquecer o Chapecó. Com esta desgraça, dentro de quatro ou cinco anos, será um time muito fortalecido. Para mim, já estão entre os grandes do Brasil", prevê.
    E até lá, quando o clube catarinense enfrentar um argentino, vai prevalecer a rivalidade ou vão deixar o Chapecoense ganhar?"Imagina! Eu não deixo ganhar nem os meus filhos", brinca Montanari. "O que acontece dentro do campo de jogo tem de terminar no campo do jogo. A rivalidade não pode continuar depois. O jogador Alejandro Martinuccio (do Chapecoense) poderia ter viajado naquele avião, e ele é argentino", explica.
    Amizade no lugar da rivalidade
    Se o futebol brasileiro tem no argentino o seu principal rival, desta vez, teve provavelmente o seu principal amigo. Além da profunda demonstração de solidariedade do povo de Medellín na Colômbia, os argentinos foram um dos que mais sentiram a tragédia, como explica o embaixador brasileiro aqui em Buenos Aires, Sérgio Danese.
    "Nós recebemos um apoio enorme por parte dos países vizinhos Esta iniciativa dos clubes argentinos é particularmente bem sucedida porque mostra isso: a rivalidade que pode haver, acontece dentro dos campos, dentro dos estádios. Atrás dos clubes estão as torcidas. Portanto, isso aqui é um movimento que representa o sentimento de toda a Argentina", agradece emocionado.
    Através da Embaixada, as camisas serão enviadas à Santa Catarina como um presente do futebol argentino à Chapecó.

  • Uma nova Bienal está nascendo na América do Sul. Não apenas em uma cidade e nem em um único país, mas em mais de 30 cidades simultaneamente, em diversos países da América do Sul, da Europa, da África, da Oceania e até da Ásia. Embora aconteça em várias latitudes, a Bienalsur quer projetar a América do Sul no mundo e fazer da arte o mais eficaz elemento de integração regional.
    Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
    O nome da nova Bienal já é, em si, pura arte: Bienalsur. Em português, Bienalsul. Mas em espanhol, o jogo de palavras também permite ler "Bem Ao Sul" (BienAlSur).
    Não existem precedentes no mundo de uma Bienal Internacional de Arte Contemporânea organizada, não por uma única cidade ou por um único curador, mas a partir de uma universidade argentina, a Tres de Febrero. De de Buenos Aires e fora dos circuitos de curadores tradicionais, a Tres de Febrero convocou diversas universidades, curadores e artistas do mundo numa rede interconectada de arte.
    Organização horizontal democratizou o acesso
    Essa organização horizontal democratizou o acesso de artistas desconhecidos de 78 países diferentes que apresentaram 2.543 projetos, 300 deles brasileiros. Os trabalhos selecionados serão exibidos entre setembro e dezembro do ano que vem.
    "Embora seja um projeto artístico, a Bienasul é mais política cultural do que artística. Tem mais a ver com a política internacional e com integração sul-americana porque vai contribuir para criar vínculos, relações e sinergias entre vários países", indica à RFI Brasil Aníbal Jozami, diretor geral da Bienalsul e reitor da universidade Tres de Febrero. "Creio que o ressurgimento dos nossos países tem a ver também com a arte e com a cultura", aposta.
    Jozami baseia a sua análise nas memórias do francês Jean Monnet, um dos pais da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, embrião da atual União Europeia. "Jean Monnet revelou que a unificação da Europa teria sido mais eficiente se tivesse priorizado a integração cultural em vez de partir pelo carvão e pelo aço", conta Jozami.
    Novo paradigma na arte
    A Bienalsul será como várias bienais simultâneas e conectadas, como explica a brasileira Marlise Gonçalves, responsável pela logística dos trabalhos de um país para o outro. "É a primeira vez na história das bienais que vários países são promotores de uma iniciativa. A grande diferença desta Bienal é a organização a partir de uma universidade conectada com outras. Uma universidade tem outro papel na sociedade. A Tres de Febrero é apenas a catalizadora de toda essa organização", aponta.
    E num mundo onde o discurso protecionista quer erguer muros e onde a arte parece restrita apenas aos entendidos, a Bienalsul quer estabelecer novos paradigmas. "A Bienalsul quer derrubar muros. Muros que não sejam somente regionais, muros de fronteiras, mas sobretudo muros na forma de pensar. É uma bienal que se propõe ser extremamente inclusiva para chegar a todos. Nesse sentido, propõe um diálogo horizontal entre as instituições, entre os artistas, onde eles possam se expressar livremente", descreve Marlise Gonçalves.
    Além dos artistas desconhecidos, foram convidadas pessoas de renome cujo trabalho gira em torno da temática de integração. É o caso, por exemplo, do fotógrafo iraniano Reza Deghati, que vai levar a sua arte às comunidades carentes de Buenos Aires e de Caracas através de oficinas de fotografia.
    A arte sul-americana não está suficientemente representada nos museus e nas bibliotecas do mundo. Segundo Marlise Gonçalves, a Bienalsul pretende reverter essa situação. "Aqui não se trata de uma integração só regional. Nós costumamos dizer que a Bienalsul não é inter-regional; é também inter-global. Pretende incorporar todos os agentes culturais numa ação coletiva. O que está se fazendo a partir de Buenos Aires, e nisso o papel do Brasil é fundamental, é criar uma grande revolução no mundo da arte", acredita.
    Dezenas de cidades vão exibir os trabalhos. A lista ainda está em formação. No Brasil, haverá cerca de 15 espaços de exibição, de museus a universidades, em São Paulo, no Rio de Janeiro e provavelmente em Minas Gerais, na Bahia e até no Mato Grosso.
    Quem estiver num espaço brasileiro, poderá ver ao vivo o que acontece num espaço em Bogotá ou em Caracas, por exemplo. E qualquer pessoa poderá ter acesso aos trabalhos pelo mundo. Os organizadores pretendem incorporar a tecnologia da "Realidade Aumentada" através dos celulares. Uma espécie de "Pokémon Go", mas da arte sul-americana.
     

  • Muitas venezuelanas estão indo para Roraima, no norte do Brasil, para dar à luz. Elas recorrem à infraestrutura da área da saúde e aproveitam uma das garantias da legislação nacional.
    Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela
    A Venezuela vive uma diáspora de cidadãos que fogem das consequências de um cenário econômico e social delicado. Entre eles está a escassez de alimentos e remédios, inclusive de anticoncepcionais, o que está acarretando um “baby boom” no país governado por Nicolás Maduro.
    Boa Vista fica a duas horas da fronteira da Venezuela. A capital roraimense é referência para as gestantes das cidades fronteiriças, porém, nos últimos meses, o perfil das parturientes mudou.
    “Nós recebíamos pacientes da fronteira, de Santa Helena de Uairén, que é a primeira cidade da Venezuela perto da fronteira com o Brasil. Mas agora recebemos de toda a Venezuela. Praticamente dobrou o número de atendimentos em relação ao ano passado”, explica  a médica Marcia Monteiro, que trabalha na Maternidade Nossa Senhora de Nazaré, a principal de Roraima:
    SUS arca com os custos
    Em 2015, 453 venezuelanas deram à luz nesta maternidade de Roraima. Até novembro deste ano o número subiu para 688. Os custos são arcados pelo Sistema único de Saúde, o SUS. Em casos de internação, a despesa pode chegar a R$ 1.690.
    Telma Lage é advogada e coordenadora do Centro de Migração e de Direitos Humanos da Diocese de Roraima. Ela trabalha diretamente dando apoio a cerca de 20 venezuelanas.
    "São mulheres que fogem da fome na Venezuela e buscam aqui dar à luz para garantir a regularização da sua permanência e a da criança. Também buscam a questão da qualidade no atendimento e no atendimento posterior ao parto, por exemplo, com a questão das vacinas. Elas dizem que lá não existe este sistema”, diz.
    Alguns dos entrevistados pela RFI Brasil não descartam que boa parte desqas venezuelanas foram a Roraima ter filhos para poder regularizar sua estadia em território brasileiro.
    “Ter um filho no Brasil é garantia absoluta de que você vai ficar regular porque é só dar entrada nos papéis porque é garantido ao pai ou à mãe de um brasileiro e, se tiver outros menores de 18 anos, para a reunião familiar é direito a todos que tenham uma documentação brasileira”, explica Telma.
    Consequências para Roraima
    Toda essa situação vem gerando consequências para o estado de Roraima. Paulo Linhares, secretário adjunto de Saúde de Roraima, exemplifica como o estado vem se moldando para dar suporte aos estrangeiros:
    “Foi montado um Comitê organizado pela Defesa Civil do estado de Roraima, no Corpo de Bombeiros, com quase todas as secretarias - as mais envolvidas com o problema, para que a gente possa organizar estratégias em relação ao aumento do número de venezuelanos aqu", afirma.
    E continua: "Em relação à saúde é preciso buscar ajuda financeira com o Ministério da Saúde. Atualmente tentamos fazer o atendimento mais rápido aos venezuelanos. É preciso aguardar e torcer para que a crise na Venezuela passe o mais rápido possível e que eles consigam resolver os próprios problemas.”